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O Pantanal nos textos de Augusto César Proença | Ana Julia Segatel




A construção de uma memória para a região pantaneira não é uma tarefa fácil. Augusto César Proença em suas obras levanta uma discussão sobre isso, sobre o resgate da memória, que para ele é necessário para fazer com que o pantaneiro de hoje repense os anos passados e deles retire uma lição.

Na busca do registro dessa memória Proença vai trilhando caminhos que relatam a vida no imenso Pantanal. Para o autor o Pantanal é um mundo de características culturais, econômicas e sociais específicas e únicas.


Proença relata o Pantanal de uma forma extremamente poética, em seu livro “Raízes do Pantanal: cangas e canzis” (1984). Ele destaca a transumância do homem pantaneiro em busca de terras secas, levando consigo sua família, almejando uma vida melhor.


Em “Pantanal Gente Tradição e História” (1992), Proença trata vários aspectos da região pantaneira, abordando as origens geológicas, as origens humanas, a formação dos grandes latifúndios e a formação da sub-região da Nhecolândia.


Sobre as origens geológicas podem-se destacar nas origens do Pantanal, o rio Paraguai com sua contribuição à formação histórica da região.


O que chamamos de Pantanal não passa de uma imensa planície sedimentar, situada nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, adentrando-se uma parte pela Bolívia e Paraguai, que se alaga periodicamente, quando os rios se avolumam e jogam suas águas nas baixadas, enchendo vazantes e corixos, baías e lagoas, transformando-se numa coisa só de água espraiada, semelhante a um mar doce em certas áreas (PROENÇA, 1992, p. 13).


Para o autor, as heranças deixadas pelos índios naquela região foram de extrema importância para a formação do homem pantaneiro. “O vaqueiro se originou do índio: do guató, do guaná, do xamacoco e guaicuru, os primitivos donos da terra.”


Ele destaca também que para a formação material e moral da região foram fundamentais quatro elementos: o desbravador, o vaqueiro, o cavalo e o boi.


O desbravador foi aquele descendente de índio e bandeirante paulista, que ia abandonando as lavras exauridas à procura de outra ocupação em que pudesse se expandir.


O vaqueiro descendente de índio, negro e paraguaio, acompanhou o desbravador por caminhos vários, formando um tipo diferente de vaqueiro do norte: o típico poconeano.


O cavalo veio com os espanhóis nas expedições de Cabeza de Vaca, segundo o autor “foi um aliado desinteressado do homem, o amigo de todas as horas, que juntamente com os moares, carregaram para o Pantanal os utensílios da civilização.” (1992, p. 55).


O boi que também chegou ao Brasil através dos espanhóis, que Proença descreve como “gado alçado que sabia farejar como cervo, descobrindo aguadas, e caminhando, guiado, apenas pelo gosto da pastagem.” (1992, p. 55).


Apesar de enfatizar o papel do homem na formação da região, Proença não deixa de mostrar o papel da mulher nessa formação. Retratando assim, uma mulher forte, guerreira, capaz de ajudar e seguir sua família pelos desconhecidos campos pantaneiros.


Devemos também reservar o lugar da mulher: da mulher companheira do desbravador e do vaqueiro; da mulher negra, escrava, enchendo nossas cozinhas de estórias e quitutes, e fabricando mulatos nas horas vagas; da mulher índia (a cunhã), carregando o filho nas costas enquanto trabalhava na lavoura ou servia de besta de carga ao marido errante pelas picadas sem fim do Pantanal, ou ainda participava das danças festivas que entretinha os visitantes nas noites de saraus; da mulher portuguesa, que se integrou aos nossos costumes, ensinando-nos os dela, em sua maioria administrando o patrimônio com fibra de macho (PROENÇA, 1992, p. 57).


O referido autor também relata sobre a formação dos latifúndios em sua obra. Para ele foi o sistema de sesmarias que deu origem ao latifúndio, beneficiando apenas aqueles que requeriam imensos domínios, que em sua maior parte se conservavam incultos, ou parcialmente incultos, em determinadas regiões.


É no campo da literatura que Augusto César Proença retrata a história do Pantanal, assim a partir deste ponto se destaca a discussão sobre a articulação entre essas duas áreas.


Segundo Ferreira (1996, p. 23) “o estudo das relações entre história e literatura firmou-se como uma das tendências em crescimento nas ultimas décadas, estimulando a renovação teórica e metodológica na historiografia”.


O debate sobre a narrativa histórica e suas conexões com os gêneros literários se destaca a partir da década de setenta entre os historiadores. Ferreira, (1996), em seu texto cita Peter Gay, no seu livro “O estilo na História”, que critica a artificialidade das fronteiras entre história e literatura.


Ferreira propõe um debate em seu texto, citando vários autores, ele caminha pela questão: qual é realmente a fronteira entre história e literatura? Pois, não existe historiador e escritor sem a palavra escrita. (...) Não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso e prosa (...), diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder (FERREIRA, 1996 apud ARISTOTELES, p. 451).


Nota-se que a tarefa de mapear as inúmeras tendências atuais de tratamento do intercâmbio história-literatura é extremamente difícil, grosso modo, elas tem se abrigado na história cultural.


Percebe-se que é caminhando entre essa fronteira que Proença descreve o Pantanal, com sua visão poética de uma pessoa apaixonada pela região em que nasceu, mostrando-nos as delícias e terrores de se viver em uma das regiões mais belas do Brasil.



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Dica:!


*Graduada em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
** Imagem do topo extraída da capa de "Raízes do Pantanal".
*** Originalmente postado em 25/fev/08.


Referências bibliográficas:


ALBERTI, V. História Oral-a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: FGV, 1990. 197p.
BURGUIÉRE, A (org). Dicionário das ciências históricas. Trad Henrique de Araújo Mesquita. Rio de Janeiro: Imago, 1993. 773p.
FERREIA, A. C. História e literatura: fronteiras móveis e desafios disciplinares. Pós História, Assis, 04: 23-44, 1996.
LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Frâncico Alves, 1995.
LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 318 p.
LEITE, E. F. Marchas na história; comitivas, condutores e peões - boiadeiros no pantanal. Campo Grande: Edufms, 2003. 223p.
PROENÇA, A. C. Pantanal: gente tradição e história. Campo Grande: edição do autor, 1992. 144p.
PROENÇA, A. C. Raízes do Pantanal; cangas e canzis. Brasília/Belo Horizonte: INL/Itatiaia, 1989. 81p.
VIEIRA, M. do P. de A, et al. A pesquisa em história. 2ª ed, São Paulo: Ática, 1991. 80p.

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3 Comentários

  1. Ana,
    Você escreve muito bem! Adorei ler o seu texto!
    Abração,
    Jean.

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  2. muito legal
    O texto está bem definido, e foi muito feliz a costura entre história e literatura, o tema não é tão explorado o que deixa difícil sua construção, mas a autora lidou habilmente com isso, e o resultado final foi ótimo.
    Paulo Rocha.

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  3. Bom, depois de esperar ansiosamente por um texto de nossa amiga, fiquei feliz em ler este. Achei a leitura prazerosa e muito informativa. Uma boa viagem aos meandros do Pantanal através da literatura e da história numa interpretação dos textos de Proença.

    Vê-se como o autor usa dos recursos do memorialismo, como por exemplo quando ele fala nos desbravadores, que teriam descendido "de índio e bandeirante paulista, que ia abandonando as lavras exauridas à procura de outra ocupação em que pudesse se expandir". O que o diminui como interprete da história a sua forma.

    O resto fica aos colegas pra entender e comentar.

    Continue assim Julia...

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