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Pesquisando na Bolívia - por Mathiel Silva




Mathiel Danieli da Silva*

No presente texto proponho um breve relato sobre nossa viagem de pesquisa à Bolívia, bem como algumas características da investigação e do trabalho do pesquisador.

A pesquisa cientifica é essencial no processo de construção do conhecimento. Numa pesquisa acadêmica, todas as informações adquiridas têm por base procedimentos teórico-metodológicos por meio dos quais os dados são analisados, interpretados e repassados à sociedade para serem aplicados no cotidiano, nas mais diversas áreas. Da agricultura de ponta, passando pelas últimas novidades da medicina e pelas mais diversas temáticas das Ciências Sociais e Humanas, a pesquisa científica é, em suma, uma grande engrenagem do desenvolvimento social e humano no sentido integral.

Com o incremento do chamado “pólo universitário”, que agrega vários estabelecimentos de ensino superior e com o desenvolvimento de vários programas de pós-graduação, o município de Dourados encontra-se em situação privilegiada no que tange a construção do conhecimento e a posterior divulgação destas informações.

A investigação científica encontra respaldo e credibilidade, quando é feita em ambiente acadêmico, praticada por graduados, mestres e doutores. Para os trabalhos de graduação temos, no Brasil, os programas de iniciação científica, nos quais os alunos são motivados e orientados a dar os primeiros passos no ofício de pesquisador. Assim todos os projetos de alunos devem estar atrelados à pesquisa de um professor pesquisador.

Considerando a importância desta experiência, para a vida acadêmica, procurei o prof. Protasio Paulo Langer (UFGD) que orientou-me na montagem de um projeto de iniciação científica, que após a análise de uma Comissão de Pesquisa, foi aprovado e contemplado com bolsa de Iniciação Científica. Em seguida, começamos a trabalhar na pesquisa: O Guarani da Cordilheira: Uma etno-história da resistência dos Chiriguano ao colonialismo hispânico. O propósito do projeto é trazer novas contribuições para o debate da etno-história Guarani a partir de um grupo específico pouco contemplado pela etno-história brasileira.

Dados históricos, arqueológicos e etnológicos indicam que o grupo indígena Chiriguano, da região do Chaco boliviano, se originou da mestiçagem da etnia Chané, do tronco linguístico Arawak, com grupos de língua Guarani que, por volta do séc. XIV migraram do Brasil e do Paraguai, rumo ao Chaco e à cordilheira andina.

Com o aprofundamento dos nossos estudos percebemos a necessidade de uma viagem para a Bolívia, afim de, catalogar e analisar uma quantidade significativa de documentos do período colonial. Visto que, em sua maioria, esta documentação encontra-se no Arquivo Nacional da Bolívia, na cidade de Sucre, partimos em busca do nosso objetivo, na segunda semana do mês de fevereiro de 2008.

Nosso grupo de pesquisa deslocou-se de Campo Grande, para Santa Cruz de La Sierra, por via aérea. Uma das nossas surpresas foi perceber assim a facilidade de se chegar a esta importante cidade do oriente boliviano.

Santa Cruz está localizada na região do Chaco boliviano e como muitas cidades do Brasil, possui cerca de 1,3 milhões de habitantes e enfrenta diversos problemas inerentes às grandes metrópoles. A todo instante, vimos em suas ruas e avenidas os contrastes entre os abastados com seus grandes carros importados e as populações pobres vivendo de esmolas e da caridade dos transeuntes. 

Ao mesmo tempo conhecemos uma cidade exuberante e bem cuidada, na sua parte mais central em evidência, a beleza colonial de suas construções, a grandiosidade de sua catedral metropolitana e a praça central com sua beleza, vivacidade e aconchego familiar. Realmente, achamos que conhecer esta importante cidade é uma experiência enriquecedora e, ao mesmo tempo, acessível, considerando o valor da passagem (naquele momento de cento e cinquenta reais) e o tempo de voo, uma hora e quarenta minutos de Campo Grande.

Além disso, conhecemos a cidadezinha de Samaipata, que fica a cerca de 130 quilômetros de Santa Cruz de La Sierra, aonde visitamos o forte de Samaipata que foi declarado patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO. O local, além de nos proporcionar a experiência de contato com um magnífico sítio arqueológico do período incaico, ainda impressiona pela beleza de sua natureza montanhosa.  Este forte foi, no período da chegada dos conquistadores, o guardião da fronteira mais oriental do Império Inca, região onde ocorreram diversos combates entre os “bárbaros” Chiriguano-guarani e os leais defensores do imperador Inca.

Em tempo, deixamos a movimentada cidade de Santa Cruz, e partimos para nosso objetivo principal, a cidade de Sucre a 2.200 metros acima do nível do mar, no altiplano boliviano. Esta viagem, de aproximadamente doze horas, foi extenuante, mas no final nos brindou com a experiência de serpentear uma grande parte da Cordilheira Andina

A sensação do sol nascendo, em nossa chegada a Sucre, nos proporcionou a sensação de estarmos num lugar realmente especial. Nem mesmo o pó de nossas bagagens e tão pouco a peça de cerâmica guarani, quebrada nessa viagem, nos tirou o ânimo por estarmos numa cidade com extraordinário valor histórico. Ao contemplarmos seus monumentos, praças, ruas e construções, nos deparamos com uma cidade tombada pela UNESCO como Patrimônio Histórico da Humanidade e ainda pouco conhecida e valorizada em termos de viagens turísticas pela América do Sul. 

Fundada em 1538 com o nome de Vila de La Plata, Sucre ou a "Cidade Branca", como também é conhecida, é calma, limpa e tirando as várias lan houses para acesso à internet, nos passou a sensação do tempo ter realmente parado, neste pedaço de mundo.

Depois de nos alocarmos, fomos para o Arquivo Nacional, onde fomos muito bem recebidos e encaminhados para uma entrevista com a diretora desta instituição. Neste encontro, falamos sobre o nosso trabalho acerca dos Chiriguano e outras questões pertinente a este tema. Neste momento, vimos o comprometimento do Arquivo, bem como de sua diretora em nos ajudar a desenvolver nossa pesquisa. Na mesma instalação do Arquivo, encontra-se também a Biblioteca Nacional da Bolívia, que também foi de grande importância para a pesquisa bibliográfica e de cartografia colonial. Devido ao valor da documentação contida neste importante estabelecimento fomos, inicialmente, orientados a respeito dos procedimentos adequados à pesquisa e também apresentados a um grupo de técnicos especialistas, que nos orientaram até o final do nosso trabalho.

Inicialmente, revisamos nossa bibliografia e selecionamos a documentação que iríamos solicitar e começamos, a trabalhar centrados na seção de documentação do período colonial. Dentre as principais estão: As Correspondencias de La Audiencia de La Plata, (1493 – 1824), Los Expedientes de la Sublevación General de Índios (1774 –1810), e também a Coleción Rück (1508 – 1896).

Estas seções do acervo constituem uma gama variada de documentos dentre os quais podemos citar: cartas oficiais e não oficiais a respeito das guerras travadas pelos agentes colonizadores do império Espanhol contra os índios Chiriguano; correspondências entre instituições religiosas, responsáveis pela catequização das populações nativas; diários de algumas das muitas expedições realizadas com objetivo de subjugar a etnia Chiriguana e estender a fronteira da colonização espanhola na região chaquenha; bem como, um número significativo de mapas, representando a região conhecida como “Chiriguania”, a representação das minas de prata de Potosí e suas cercanias.

O procedimento de fichamentos, transcrições, e a fotocópia destas informações, foi nosso principal trabalho no Arquivo Nacional da Bolívia. Também tivemos um grande prazer em adquirir importantes obras de etno-história, disponibilizadas na livraria do próprio arquivo, visto que no Brasil a bibliografia referente ao nosso tema é escassa. Recentemente esta instituição começou a desenvolver um processo de digitalização de suas coleções, a fim de evitar a deterioração destas fontes históricas. Deste modo o arquivo sobrevive da prestação de serviços na área da pesquisa científica, cobrando uma significativa taxa por cada documento pesquisado.

Ao final de quatro dias de pesquisa deixamos o Arquivo Nacional da Bolívia com uma grande quantidade de material para darmos sequência às nossas pesquisas acadêmicas, mas ao mesmo tempo com a impressão de ter faltado um pouco mais de tempo, para um maior aprofundamento, haja vista a grande quantidade de documentos.

Ainda aproveitamos nossa passagem pela região do altiplano, para conhecer rapidamente a cidade de Potosí, localizada a 160 quilômetros de Sucre, a 3.967 metros de altitude, sendo a cidade mais alta do mundo. Nesta localidade vimos um vasto patrimônio arquitetônico da época da colonização já que a cidade foi fundada, em 1546 e em 1611, já era a maior produtora de prata do mundo. Entre os principais atrativos estão a Casa da Moeda, a Catedral Gótica, e o Convento de São Francisco, fundado em 1547. A História desta cidade muitas vezes se confunde com a da colonização espanhola na América do Sul, visto que era de suas minas que saia a maior parte da riqueza do império espanhol.

Depois do retornar para Santa Cruz ainda conhecemos o APCOB – Apoio para o Campesinato-Indígena do Oriente Boliviano, uma instituição não-governamental, que tem por objetivo a inserção dos povos indígenas do oriente boliviano, sempre destacando o seu papel de protagonista na formação da nação boliviana, estimulando a diversidade cultural de cada etnia. Nessa instituição pudemos adquirir obras de Isabelle Combés e Thierry Saignes, sendo esses autores referência quando dialogamos com a moderna historiografia sobre os Chiriguano-guarani.

Por fim, constatamos que esta viagem foi de estrema importância, não só para a continuação da nossa pesquisa, mas também muito enriquecedora para nosso futuro como professores, conscientes dos problemas da nossa sociedade. Verificamos que guardadas as características inerentes de cada região, os problemas enfrentados pelas populações indígenas, são similares aos que vemos por toda a América Latina. Com uma visão mais ampla, poderemos abordar a questão indígena em sala de aula, de maneira que todas as pessoas, desde a infância, saibam a importância das populações nativas, na formação do nosso país e assim vislumbrar um futuro sem intolerância, no qual todas as pessoas possam ser respeitadas e compreendidas de acordo com sua diversidade cultural.

* Quando dessa publicação (2008) era Bolsista PIBIC da UFGD e aluno do 3º Ano do Curso de Licenciatura Plena em História, da Faculdade de Ciências Humanas, da Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD. E-mail: mathi_silva@yahoo.com.br.

** Artigo desenvolvido para o Programa de Iniciação Científica, orientado pelo Professor Doutor Protasio Paulo Langer - UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados.

*** Fonte da imagem no topo: La guerra e identidad guaraní, Site Hoy Bolivia.

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1 Comentários

  1. Mano Mathiel, primeiramente desculpe pelo atraso em ler/comentar seu texto; e em segundo lugar meus parabéns pelo conteúdo deste artigo. Fico feliz em ver um amigo conseguir passar conhecimentos assim. Seu texto está recheado de informações interessantíssimas (principalmente pra mim que não conheço muito do assunto) e que creio serão úteis a quem precisar saber um pouco sobre os bolivianos e sua população majoritariamente indígena, principalmente deste povo Chiriguano.

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