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Tribo isolada na mata surpreende o mundo



Humberto Trezzi


A imagem, impressionante, parece saída de alguma máquina do tempo. Munidos de grandes arcos, pintados para a guerra, índios nus disparam flechas na direção da máquina fotográfica utilizada pelos sertanistas da Fundação Nacional do Índio (Funai). Poderia ser algum filme de segunda categoria repleto de lugares-comuns sobre a Amazônia selvagem.

Não, não é ficção. É vida real. As fotos foram feitas no Acre entre 28 de abril e 2 de maio e divulgadas esta semana pela própria Funai para chamar a atenção do mundo para o risco que correm algumas das últimas civilizações indígenas isoladas na selva brasileira. Madeireiros peruanos têm invadido a região, situada na fronteira com o Peru. Derrubam árvores, mas podem levar de roldão as tribos de índios que vivem próximo ao rio Envira. E acabar com elas antes que o mundo as conheça, como costuma acontecer com milhares de espécies animais e vegetais da Amazônia.

O recado surtiu efeito, o mundo parou para ver. As fotos, feitas de um Cessna Skylane, foram destaque dos Estados Unidos à Itália, da Inglaterra ao Extremo Oriente. Os retratos reafirmam a imagem internacional da Amazônia: a de um lugar misterioso, repleto de vida desconhecida e que merece ser preservado. Os índios flagrados pela Funai estão numa situação de risco semelhante à do peixe-boi: ameaçados de extinção.

Pois a Amazônia é ainda mais pródiga em situações desse tipo do que se imagina. Em pleno século 21, das viagens interplanetárias e colonização até na Antártica, a região amazônica guarda 68 grupos indígenas isolados - de um total de cem que, estima-se, existem no mundo.

A Funai sequer sabe a que etnia pertencem os índios flagrados ali. Foram três grupos e podem até ser de tribos diferentes. A possibilidade é que eles sejam das etnias pano ou aruak, que vivem na Amazônia e são de troncos indígenas diferentes. Eles vivem numa área de 630 mil hectares que abriga três reservas silvícolas. Um dos maiores problemas é que esses indígenas são tão arredios que sequer sabem que sua área é protegida, explica o coordenador-geral de índios isolados da Funai, Elias Biggio.

- Eles vivem na fronteira, mas não sabem o que é a fronteira - acrescenta.

As fotos que espantaram o mundo foram feitas pelo sertanista José Carlos Meirelles, que trabalha há 40 anos na Funai e inclusive, na luta para sobreviver contra um ataque de índios isolados, teve de matar um dos indígenas, na década de 80. Apesar do incidente, ele é defensor intransigente da manutenção do isolamento desses índios selvagens. Para o próprio bem deles.

O sertanista defende a reação dos índios, que dispararam flechas ao ver o avião.

- Enquanto eles estiverem nos recebendo a flechadas - e eu já levei uma na cara - estarão bem. O dia que ficarem bonzinhos, já eram... - exemplifica.

O contato com o mundo exterior tem se mostrado catastrófico para os índios brasileiros, que eram 5 milhões à época da chegada dos primeiros europeus e hoje somam 350 mil.

- Em 508 anos de história, nenhuma das tribos brasileiras se adaptou bem à sociedade do Brasil - comenta Sidney Possuelo, sertanista que fundou, na Funai, o departamento responsável por índios isolados.

Funai fez apenas dois contatos em 12 anos

Foi de Possuelo um dos últimos contatos com tribos primitivas no Brasil. Em 1996 ele foi o primeiro branco a visitar os korubo, conhecidos como "índios caceteiros" pelo costume de usar bordunas contra os inimigos. Eles viviam em mata fechada no Alto Javari, região do Amazonas. O brasilianista norte-americano Thomas Lovejoy, da Fundação Heinz (de Washington), tem opinião firmada a respeito dos índios isolados:

- Ninguém, nenhum governo, consegue protegê-los.

Ele assinala que, no Peru, mais da metade dos murunahua - tribo isolada descoberta em 1996 - morreu em função de gripe, desde aquele primeiro contato. É para evitar que doenças dos brancos matem tribos inteiras que a Funai modificou sua política de contatos, a partir de 1988. Em vez de atrair índios para a cristianização ou "pacificação", como acontecia na época do marechal Rondon, o governo inverteu a prioridade. A idéia agora é garantir território para as tribos arredias aos brancos, mantendo-as isoladas. E, conseqüentemente, preservadas dos malefícios da sociedade urbana.

Seguindo à risca essa política, em 12 anos a Funai só fez dois contatos físicos com índios isolados. Um deles foi o de Possuelo com os korubo, em 1996 - no qual um branco foi morto a pauladas pelos indígenas "caceteiros". O outro contato foi no ano passado, com dois índios de um ramo tupi, em Piripicura (Mato Grosso). Os outros elementos dessa tribo nunca mais foram vistos.

É para garantir que os índios isolados continuem a salvo dos males da sociedade de consumo que o sertanista Meirelles, autor das fotos sensacionais desta semana, se nega a dar detalhes sobre a localização das tribos e seus hábitos.

- Não sei quem eles são, não quero saber e tenho raiva de quem sabe - brinca o sertanista, mas falando sério.


Imagens da tribo 





E-mail do repórter: humberto.trezzi@zerohora.com.br

Fonte: Jornal ZERO HORA. Porto Alegre, 30 de maio de 2008.
Fonte da imagem: http://www.funai.gov.br/

Sobre a imagem: As fotos publicadas são para difusão cultural, em conformidade com a Portaria nº 177/PRES/Funai , de 16 de fevereiro de 2006.

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