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As políticas de colonização do Estado Novo e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND)



Um texto para falar sobre a Marcha Para Oeste de Getúlio Vargas e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), no sul de Mato Grosso (hoje MS).

Como vimos na postagem anterior, desde o fim do século XIX, o extremo sul de Mato Grosso constituía uma extensa região dominada economicamente, sobretudo por uma empresa, a Companhia Mate Laranjeira, habitada por inúmeros povos indígenas, além de contar desde o século XIX com um considerável número de posseiros, especialmente gaúchos. Sigamos agora os passos da colonização promovida pelo Estado Novo e a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND).

Segundo a professora Benícia Couto de Oliveira, foi nesse contexto que o governo Vargas decidiu interferir na região, através de iniciativas colonizadoras, “voltadas para a ocupação e o desbravamento dos espaços, que, até então, haviam sido ocupados por empresas extrativas, como, por exemplo, a Mate, pelas empresas de atividade pecuária, pelos indígenas, pela ação militar, entre outros” [1].

Essas iniciativas colonizadoras do Estado Novo, inseridas no projeto da Marcha para Oeste, deram origem à Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), criada pelo Decreto 5.941, de 28 de outubro de 1943, no então Território Federal de Ponta Porã (veremos mais sobre ele depois). Além da CAND, criaram também outras Colônias Nacionais (CANs), espalhadas por estados estratégicos.

A marcha para o oeste
Orlando & Cláudio Villas Bôas
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Em resumo, esse movimento de colonização na era Vargas vinculava-se ao projeto de desenvolvimento do capitalismo no campo para ocupar os espaços geográficos pretensamente “despovoados” e “semipovoados” com terras férteis em abundância; dando oportunidade aos “trabalhadores sem terra que sonhavam em ocupar um pedaço de chão, desempregados nas cidades e vítimas da seca do Nordeste” [2]. Mas, nem só de “ociosos” se compunham as levas migratórias da região sul de Mato Grosso, havendo diversas pessoas que tinham posses no Nordeste, ou mesmo em outros estados, e que vieram, juntamente também com mineiros, paulistas e japoneses que fizeram com que se elevasse, em duas décadas, a população da região de Dourados de 13.164 habitantes para 68.487, desde a criação da CAND [3].

O lugar escolhido para ser a sede da Colônia Nacional de Dourados era conhecido como “Boca da Picada”, onde hoje em Dourados é o Monumento ao Colono (preconceituosamente chamado de Mão do Braz), considerado o marco zero da CAND, “local por onde passava a entrada principal de acesso da mesma” [4]. Em frente à sede ficava a cooperativa da Colônia, de onde, por estrada, se rumava para a Serraria, “respectivamente as atuais Vila São Pedro e Indápolis” [5]. Sabe-se que onde hoje se encontra Indápolis era a serraria da Colônia (até hoje ainda lembrada por ex-colonos como “Serraria”).



Ao longo dos anos a Administração da CAND prestou alguns serviços aos seus colonos: dispôs de um consultório onde fornecia atendimento médico, embora parcamente, como afirmou a historiadora Suzana Naglis [6]; manteve algumas escolas, com um número considerável de alunos, inclusive com aulas noturnas; forneceu sementes e adubos, pelo menos até meados da década de 1950; contou com um serviço de segurança, que em 1955 era composto por pelo menos 44 pessoas, encontrando-se em seu quadro o senhor Ramão Dauzacker – um senhor que já mencionei na postagem anterior e do qual falarei mais para vocês futuramente.

Deve haver uma pausa aqui para que se diga que ocorreram modificações no alcance de serviços mencionados com o passar dos anos da colonização da CAND. Isso aconteceu, entre outras coisas, porque aumentou incrivelmente o número de pessoas que procuravam lotes nas décadas seguintes a sua criação, o que não foi acompanhado de um crescimento equivalente das verbas destinadas à mesma.

Outra coisa é que, ao contrário do planejado, a implantação e “efetivação” da CAND demorou mais do que esperavam as autoridades. Para termos uma noção, após sua criação em 1943 e efetiva implantação a partir de 1944, apenas em 1945 começam a aparecer os primeiros resultados dos loteamentos. Prova disso encontramos em um ofício sem ano (provavelmente de 1945), enviado pelo Administrador Jorge Aguirre ao Major Severo Coelho de Souza, Chefe do Estabelecimento de Subsistência Militar da 9ª Região Militar, em Campo Grande, onde consta que os “trabalhos de fundação [da Colônia] tiveram início no segundo semestre de 1944”, dizendo ainda que seria este um ano “insuficiente para exportação” e que às cooperativas dos colonos “a serem organizadas” na Colônia “caberá negociar a produção dos mesmos” [7][8].

Ainda como mostra dessa demora temos que no ano de 1945 houve 74 requerimentos de lotes e apenas 32 entregas. Esse número começa a aumentar nos anos seguintes, quando constam 575 lotes requeridos e 125 entregues em 1946, recuando a 240 requeridos e 289 entregues em 1947 [9]. Com uma soma simples dos três anos mencionados temos: 889 lotes requeridos e 446 entregues, ou seja, pouquíssimo mais que a metade. O número total de casas construídas por ou com ajuda da Administração, até 1947, era de apenas 139, se bem que apenas 17 construídas com recursos exclusivos da Administração, sendo o restante com “alguma ajuda” da mesma. Para 1948 apenas 120 lotes estavam “prontos” para entrega [10] [11].

Vale dizer que, segundo a Lei Estadual 87, de 20 de julho de 1948, os trabalhos de divisão, medição e demarcação ficaram sob a responsabilidade da Divisão de Terras e Colonização (DTC), do Departamento Nacional de Produção Vegetal, do Ministério da Agricultura (principal órgão de controle da CAND), com a assistência de um técnico designado pelo governo do estado, com prazo estabelecido de 2 anos, o que como se viu não ter sido exatamente o caso.

Ainda segundo a historiadora Suzana Naglis, “devido à morosidade da entrega de lotes e mesmo à falta de rigor da Administração da CAND, foi comum o fato de colonos viverem em terras da Colônia sem terem um lote demarcado oficialmente”, sendo que “a maioria das famílias chegava primeiramente na sede da Cooperativa da Colônia, atual Vila São Pedro, onde se fazia o pedido formal do lote à Administração” [12].

Na administração de Jorge Coutinho Aguirre, sobretudo, morar de “modo provisório” teria certo respaldo legal. Naglis nos apresenta uma correspondência de 1952, onde o mesmo Jorge Aguirre fez uma recomendação a uma família interessada em conseguir lotes para que procurasse as outras colônias federais existentes (como a de Goiás, por exemplo, que era a mais próxima): “A CAN de Dourados, no momento, não está em condições de receber colonos. No modelo em anexo encontrareis o endereço das Colônias que atualmente podem receber candidatos a lotes” [13].

Cartaz do programa Marcha para o Oeste 

Preocupado com o aumento demográfico da CAND, outro administrador, Clodomiro de Albuquerque, enviou um ofício ao diretor do Departamento de Terras e Colonização (DTC), em 11 de dezembro de 1953 (dez anos depois da criação da Colônia), cujo assunto era o “aumento de verba”, fazendo uma lista de gastos à que era destinada a dotação devida à CAND de Cr$ 6.000.000,00. Segundo esse Administrador, a verba era pouca frente à demanda de auxílios e serviços solicitados pelos colonos e a infraestrutura da Colônia, tendo em vista “as cifras dos seus saldos que mínguam e desaparecem muito antes dos fins de ano”. Ele reclamava ainda: da existência de um hospital maltratado, “onde se acotovelam 80 a 100 doentes diariamente”; dos preços para manutenção de 250 quilômetros de estradas, sendo “precisos mais 500 quilômetros”; do sistema educacional, que contava com “25 professores que ensinam em escolas quase que medievais a 1.405 alunos”, dizendo ser necessário, pelo menos, mais 50 professores para atender as cerca de 5.000 crianças em idade escolar; por fim, reclamava dos equipamentos, pequenos acessórios e de peças necessárias para “tratores que permanecem encalhados na oficina” à espera de suprimentos para que possam funcionar, além de pregos, dobradiças, rolos de arame, que “são fornecidos aos colonos, depois de consultado o parco estoque” [14].

No mesmo ofício, Clodomiro de Albuquerque dizia também que a área loteada da CAND, até dezembro de 1953, era de 66 mil hectares, abrangendo 2.200 lotes, com uma população de 14.000 almas, sem contar os agregados, e cerca de 20.000 imigrantes instalados irregularmente, com 250 quilômetros de estradas [15].

Em relação às ações dos Administradores dos primeiros anos, consta da documentação da CAND um Plano de Trabalhos a serem executados na Colônia Agrícola Nacional “Dourados” no exercício 1948, feito para o mandato de Jorge Coutinho Aguirre. Entre as metas constavam: estudo e construção de estradas, além de ampliações nas já existentes, a fim de facilitar o escoamento da produção dos colonos; demarcação de 500 lotes urbanos de 30 hectares, com preço médio de Cr$ 600,00 por unidade; levantamento perimétrico da Colônia pelo processo fotogramétrico; construção de 3 bueiros no rio Brilhante e outros estudos para construção de bueiros em pontilhões; plantio de 100 pés de café pelo regime de sombreamento natural em lotes e no caso experimental; plantio de 100 ha de trigo em terras de campo [16].

Uma lista encontrada no Arquivo Público Estadual de Mato Grosso do Sul (APEMS), sem data, mas também da Administração de Jorge Coutinho Aguirre, descreve novas construções, tais como: galpões para serraria, carpintaria, oficina mecânica e para guardar máquinas; edifício de alvenaria para o Almoxarifado da cidade; escola provisória e fixa; escritório; farmácia; consultórios médico, de dentista e enfermagem de emergência; armazém de gêneros alimentícios; paiol e depósito de milho; olaria e secadora; residências para trabalhadores e funcionários; residência de táboa e cavaco, táboa e telhas, ranchos de sapé e barro, casas de taipa [17].

Na próxima postagem falarei um pouco mais sobre as políticas que envolveram a criação da CAND, entrando mais especificamente nas questões ideológicas do Estado Novo, explicando o que as mesmas ideologias tiveram a ver com as chamadas frentes pioneiras, explicando por fim o que são esses avanços pioneiros do capitalismo.

Fotos: 

Cartaz do programa Marcha para o Oeste - Memorial da Democracia http://memorialdademocracia.com.br/card/e-a-marcha-para-o-oeste

[1] OLIVEIRA, Benícia Couto de. A política de colonização do Estado Novo em Mato Grosso (1937-1945). 1999. Dissertação (Mestrado em História) – FCL/UNESP, Assis, p. 128.
[2] Idem, p. 134.
[3] Id., Ibid.
[4] MAZZINI, Adilvo; XAVIER, Cláudio. 50 anos da criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Dourados/MS: Funced, 1993. [Datilografado], p. 11-12.
[5] Id., Ibid.
[6] NAGLIS, Suzana G. Batista. "Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto": os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados - CAND (1943-1960). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados.
[7] Ofício 3, do Administrador da CAND ao Chefe do Estabelecimento de Subsistência Militar da 9ª Região Militar, em Campo Grande, sem data).
[8] A maioria dos documentos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados citados nesta dissertação estão disponíveis no Acervo “CAND” do Arquivo Público Estadual de Mato Grosso do Sul (APEMS).
[9] Neste mesmo ano o número maior de lotes entregues é devido aos requerimentos dos anos anteriores.
[10] Acredito que “pronto” quisesse dizer “demarcado”.
[11] Ofício s/n “Demonstrativo”, da Administração da CAND ao Chefe da Seção de Colonização do DTC, jan/1947.
[12] NAGLIS, Suzana G. Batista. "Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto": os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados - CAND (1943-1960). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados, p. 60.
[13] Correspondência de Jorge Coutinho Aguirre, Administrador da CAND, a Miguel Antonio Gomes, 20/jun/1952. Citada em NAGLIS, 2007, p. 62.
[14] Ofício 352, do Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, ao diretor do Departamento de Terras e Colonização (DTC), 11/dez/1953, grifos meus.
[15] Idem.
[16] Plano de Trabalhos a serem executados na Colônia Agrícola Nacional “Dourados” no exercício 1948, feito pela Administração da CAND no mandato de Jorge Coutinho Aguirre.
[17] Plano de Trabalho, s.d., feito pela Administração no mandato de Jorge Coutinho Aguirre.

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