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O consumo atual de música ou como não ouvir pela Internet



por Gustavo B. de Almeida*

Apesar de não ser tão velho a ponto de assistir a mudança do disco de vinil para o CD**, não sou tão novo a ponto de não ter vivido um mundo sem internet, e sem a popularização dos CDs virgens e dos seus filhos, os famosos “piratas”. 

Digo isso pois nessa crônica inicial (devem vir outras) quero tratar de um assunto que muito me incomoda nos tempos atuais: o consumo de música no mundo vigente (veja também: Sobre as várias formas de ouvir música).

Conhecendo esse mundo sem internet, sob o qual todos até tremem ao pensar no assunto (inclusive eu, certamente), ainda sou de um período em que o acesso à informação e, consequentemente, à música era um tanto quanto limitado. Portanto dependíamos dos amigos para conhecer algo novo. Foi dessa forma que conheci bandas de minha maior influência, como a Legião Urbana, Titãs, Paralamas e Engenheiros do Hawaii (Mais do Mesmo, Acústico, Vamos Bater Lata e Acervo, respectivamente). 

Num mundo ainda sem os CDs virgens, tudo isso foi gravado em fitas K7 (se lembram delas?), compradas do camelô, ou aquelas do Zezé Di Camargo roubadas da mãe. Gravadas cuidadosamente e de forma manual, em que tinha-se que ouvir a música ao mesmo tempo em que se cuidava para que um de seus lados não se acabasse antes do fim da música. Só para exemplificar, o fim da canção Eu era um lobisomem juvenil, da Legião Urbana, eu vim a conhecer anos depois do restante da canção, já que um erro de cálculo me fez perder 40 segundos dela.

E, mesmo assim, essas fitas eram limitadas. Quantas escolhas não tivemos que fazer quando não havia espaço suficiente para os CDs que se conseguiam emprestado? Dessa forma, o pouco que se tinha era ouvido à exaustão até o aparecimento de uma coisa nova. E que felicidade quando se conseguia aquele álbum que tanto se tinha ouvido falar, como o Simples de Coração, dos Engenheiros do Hawaii!

Quando as fitas deram lugar aos CDs virgens, ainda assim a pouca informação continuava: Internet lenta aos padrões de hoje; pouco espaço nos computadores de 64 Gb; dificuldade em se ter um drive que gravava CDs e a inexistência de pen drives. Era a fase dos CDs a 3 reais: as vinte mais do Raimundos, o disco novo do Charlie Brown Jr., o Ao vivo do Gabriel o Pensador. Cheguei ao cúmulo de comprar uma coletânea do Cazuza por conta de uma música que eu não conhecia, e de me sentir lesado quando as 20 mais do Ira! veio apenas com 18 canções! Novamente tudo isso ouvido repetidamente por falta de novidades.

Isso tudo acabou-se com a Internet. Com os programas de compartilhamento, os blogs especializados e as comunidades do Orkut (quero manifestar o luto que senti quando fecharam a comunidade “Discografias”). Agora se pode tudo, inclusive baixar a discografia de uma banda alemã de rock progressivo e seus 17 álbuns. Ao mesmo tempo, esse imediatismo nos limita a atenção às bandas. Afinal, se tem mais músicas do que seria humanamente possível ouvir. Quanto mais para que se possa gravar a canção na cabeça. Tenho canções do Roy Buchanan (não conhece? Numa época pré-internet realmente seria impossível) que nunca ouvirei e diversas outras que ouvirei no máximo uma, ou duas vezes na vida. NA VIDA!

Claro que os clássicos continuam presentes nos coraçõezinhos, e vez ou outra voltamos a eles. Como já diria o jogador de futebol Jardel: “Clássico é clássico e vice versa”. 

Mas pra quê ouvir novamente o Carne crua do Barão Vermelho se eu acabei de baixar a discografia do Smashing Pumpkins que não foi tocada ainda? Essa variedade causa confusões na hora de escolher. Na dúvida sempre teremos o aleatório do Windows Media Player, que nos trará músicas que não prestaremos atenção. Da mesma forma, acredito que nunca ouvi o Innuendo, do Queen; o 7 desejos, do Alceu Valença e o Flaming Pie, do Paul McCartney, discos relativamente famosos que fãs desses artistas como eu, deveria conhecer. Se o ditado diz que “há males que vem para o bem”, nesse caso acho que o bem veio para o mal...


Escrito no trajeto Dourados-Caarapó-Amambai (MS)
13/05/2014

* Gustavo é Mestre em História pela UFGD e Doutorando na mesma universidade.

** Ainda que me lembre de meu pai se esbaldando nas liquidações de vinil a R$ 1, trazendo pra casa coisas como Bob Dylan, Jorge Ben Jor e Creedence Clearwater Revival.

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