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Os trabalhadores do mate: entre imagens reais e ideais | José A. Fernandes



Talvez você já tenha visto alguma propaganda positiva sobre determinado produto, que no fundo não condiz com a realidade dos seus trabalhadores. Esse foi o caso do mate por muito tempo, conforme poderemos observar em duas imagens icônicas nessa postagem.

Pare para observar as duas imagens seguintes: uma da década de 1940, idealizada, perfeitamente harmoniosa e outra, da realidade, nua e crua, de um trabalhador nos ervais do antigo sul de Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul), nas primeiras décadas do século XX.


Essa primeira imagem circulou em algumas edições do jornal O Campo, do Rio de Janeiro, na década de 1940. Trata-se da reprodução de uma tela de grandes proporções de F. Acquarone, pintada sob encomenda do Instituto Nacional do Mate (1938-1967), para decorar seu salão de honra na antiga capital do país.

Essa cena "típica dos ervais", pretendia mostrar a colheita do mate nos estados do sul do Brasil, revestindo-se, segundo a legenda da edição de março de 1943 do jornal mencionado, "às vezes, de aspectos inconfundíveis".



Só pelo fato de ter sido encomendada por uma instituição nacional, que esteve no controle da economia ervateira por 29 anos, já é por demais significativo. Essa autarquia federal sabia das condições reais dos trabalhadores do campo - no caso, os da erva-mate -, mas, como foi praxe durante muito tempo no Brasil, eles não receberam muita atenção dos órgãos federais, ao contrário do que ocorreu com os trabalhadores da cidade. O próprio Instituto do Mate pouco fala dos trabalhadores dos ervais, tratando em seus documentos apenas dos "produtores", que nem sempre eram os que realmente trabalhavam diretamente o mate. 


Mas, passemos para a próxima imagem. Nela se vê um trabalhador (provavelmente paraguaio ou indígena), carregando o famoso raído (fardo enorme de erva-mate) que transportava dos pontos de corte e sapecamento até os chamados barbacuás (onde ela era seca definitivamente). Ele carregava na cabeça, como o nosso modelo da foto, que fez exibição para pessoas importantes que visitavam a fazenda Campanário, sede da famosa Companhia Mate Laranjeira. 

Bom, alguém poderia dizer: "mas a primeira foto era do sul do Brasil, onde os colonos europeus chegaram, construíram de forma mais organizada e onde - também de forma organizada - trabalharam com as suas famílias. Não é a mesma coisa!". 

Devo então ser chato (só um pouco) com meus amigos do sul. É preciso que se saiba que os colonos europeus que chegaram ao Rio Grande do Sul, ao norte de Santa Catarina ou ao Paraná, aprenderam a trabalhar a erva-mate sim, mas logo que podiam contratavam os caboclos, antigos moradores da região, que já conheciam bem a planta, para fazerem o serviço nos ervais. Restava então aos colonos europeus organizar a extração e vender o mate. 

Claro que não foi esse o caso de todos os colonos do sul do país. Muitos deles também embrenharam-se na mata, por entre os pinheiros, correndo os riscos que a "selva trágica" dos ervais ofereciam. 

Mas (e esse é o último "mas"), quando falarmos de realidade dos ervais (incluindo a realidade da produção do nosso querido chá Matte Leão), devemos ter mais em mente a segunda imagem. Assim, faremos melhores honras aos que produziram e ajudaram a engrandecer a história do "ouro verde" do Brasil. 

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* Originalmente postado em 30/jan./2018.

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